Sunday, January 21, 2007

Aborto ou desmancho?

A grande disputa que vai ocorrer no referendo à interrupção voluntária da gravidez (IVG), não é entre o “sim” e o “não” mas entre o aborto e o desmancho.
O aborto que se promete, no caso de ganhar o 'sim', vai ser rigorosamente vigiado. Os hospitais, ou as clínicas, que venham a incluir nos seus serviços a prática do aborto, vão preencher papéis em triplicado, mandar reconhecer a assinatura, exigir um fiador para as questões financeiras, um tutor para as questões de responsabilidade social, vão passar factura dedutível no IRS e inscrever no enigmático algarismo que vem a seguir ao número de BI a quantidade de abortos oficiais.

O desmancho não tem nenhuma destas burocracias. É absolutamente incógnito, sigiloso e anónimo. Acabado o acto, é como se nada tivesse acontecido. Ninguém em lugar algum vai saber, a não ser que a utente, num desvario, resolva expor-se num movimento pró-"sim", dizendo alto e bom som: eu fiz!
O aborto é a interrupção de uma vida em potencial, a anulação de um Einstein, de um Hitler ou de um zé-ninguém. O desmancho é geralmente a salvação de várias vidas, de famílias inteiras em perigo de caírem na lama.
O aborto é um pecado grave, universalmente condenado. O desmancho para todos os efeitos não existe. E o que não existe não é confessável.
O aborto não tem tradição em Portugal. Falta-lhe estatuto e tem um certo ar intelectual de esquerda, cheira a enxofre por todos os lados.
O desmancho é, salvo seja, o pão nosso de cada dia. Tem resolvido o problema a inúmeras famílias, mantendo-as unidas na fé e na alegria. Está próximo do povo, convive com ele em cada esquina e promove a tão necessária cumplicidade que define a cultura tradicional.
No caso improvável de, no referendo, vencer o "sim", as dificuldades de implantação seriam inultrapassáveis.
Quer isto dizer que vença o "sim" ou o "não", os métodos tradicionais continuarão a ser os preferidos, pelo que é necessário que o governo se prepare para abordar esta questão de uma maneira mais pragmática. Eis algumas sugestões:
- alguns dos milhões que vêm da Europa poderiam ser entregues directamente aos sacos azuis das autarquias, para estas, da maneira mais discreta possível, subsidiarem a compra dos desinfectantes que tanta falta fazem nos lugares de desmancho;
- permitir a atribuição da ISO9000 a todos os vãos-de-escada que apresentem elevados níveis de sobrevivência;
- instituir um prémio anual para os lugares que tenham menor número de complicações pós-desmancho;
- isentar do imposto de selo todos os proprietários de vãos-de-escada, bem como atribuir-lhes licença para aquisição de gasóleo agrícola;
- fomentar a instalação de eco-pontos devidamente preparados para lixo biológico;
- favorecer as sinergias sociais incentivando a concentração de outros negócios tradicionais paralelos.
O respeito pela vontade popular e pela tradição é uma conhecida fonte de felicidade e harmonia. Ao contrário do que se diz, o sistema vigente é o que melhor protege as famílias de serem punidas, de o seu nome, ó ignomínia, ser dito na praça pública.

ikivuku

No comments: