Saturday, November 12, 2005

Linguagem gestual




Hoje tentei que a leitura do jornal não me tirasse o sorriso do rosto.
Foi um esforço de vontade, uma luta contra a culpa.
O que se passa, no dia a dia, é mortal.
Por isso volto, também com esforço, à realidade.

O punho erguido perdeu a razão que outrora sonhou.
Faltou ao gesto sentido e conformidade.
Da forma não se passou a lugar nenhum,
E o gesto perdeu, de toda a vida, a sensação.
Em lugar da conformidade, o conformismo.
Em vez do coração, o umbigo.
Em vez do interior, o símbolo, a máscara e a inocência.

Mas nem tudo são imagens.
Há gestos que sobram para me revelar outro mundo.
E aí, nesse lugar, sobra o certo amor à sedução,
Passando sobre o acaso que determina o medo.
Engulo avidamente a última lágrima,
E volto a sorrir como se o mundo fosse todo ali.

Mas não é verdade que sejas o meu narcótico.
O teu movimento lento é a promessa de ser,
Não o odor que faz fugir cobardemente ao mundo.
A haver em algum lado a esperança,
Ela está aí na curva suave da mão,
No movimento harmónico dos tecidos,
Quando numa certa forma de iluminada ilusão,
Os corpos são solicitados para centro do universo.

Decidi não voltar a aceitar
Que o meu lugar no mundo
Fosse determinado por circunstâncias,
Para além de a tempestade me obrigar ao guarda-chuva.

ikivuku